terça-feira, 26 de julho de 2011

ESPASMO

Rápida ida aos céus
e voltas
infinda
finada
desmedida
desregrada
e eu
que fui ao céu
mediado por ti
morro diante
do véu que rasguei
da tua alma que
agora vaga em mim.

AOS POUCOS

Mera morada
mero
efêmero melro
que pousa e vai
penas espargidas ao léu
do tempo que esvai
a pele
os pelos
os apelos banais
de quem
só tem
efêmera morada
de nada
de tudo que vem e vai
e trai
a pretensão de ser
mais do que
efêmero melro
que pousa e vai
onde meus olhos
não alcançam mais.

quinta-feira, 2 de junho de 2011

CARA PALAVRA

Tua palavra rara
ara
sulcos esquecidos
sementes mumificadas
ressuscitam.
Tua palavra clara
rarefaz
o que se fez propenso ao denso
que o tempo impõe.
Tua palavra cara
cara a cara deixa
toda a ranzinza queixa
liquefeita.
Tua palavra feita
à mão noturna
tessitura
de taciturnas notas
de rotas infortunas.
Tua palavra falta
nas palavras ditas
nas frases que dilato.

DAMA

Dama da rua
nua
dama madruga
e as minhas rugas
são
seu passeio das mãos.
Dama sozinha
de todos e minha.
Dama maldita
dama coitada
dama outra distante da gente
e a gente mal sabe
que a dama é vivente
em nós.
Dama se prostra e intui
o desejo que eu
ainda não disse.
Dama que diz
O que quero ouvir.

terça-feira, 1 de março de 2011

REVIVENDO

O pai do meu amigo está vivo
E eu revivi também.
Não sei se piegas ou melodrama
Me vi em tecituras que, por dever de ofício, anestesiei – sou sacerdote.
Sacerdotes não devem comover-se.
Oficializam
Batismos, casamentos, velórios
Impávidos
Com a palidez taciturna da isenção
De quem está acima
Das humanas diabruras da alma
Que se comove e se contorce.
Sacerdotes são imunes.
Sou sacerdote.
Não sou.
Meu cristo chora, lamenta, xinga, exorciza
E eu
Desavisado
Imito.
O pai de meu amigo está vivo.
Após divina intervenção cirúrgica.
E eu revivi.

quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

OUTRO EM SI

Falar a esmo
e de si mesmo dar
à paisagem
ir-se 
ao outro
ao horto guardado
cultivado para ser
de outro.
Um horto repleto
de silêncios e sons.
Penetrar ausências, fazer-se
presente
e já não mais pertencer-se
e ainda sim
ser de si mesmo
a esmo na paisagem
que não é sua e é
ao mesmo tempo sua
pois que lhe penetra.
Ser outro
e ser um
com todo o resto.

quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

VOLVER

Por que insisto em ouvir Mercedes?
Ela me acorda lutas que inexistem.
Ou será que dizem
repetidamente
não existirem?...
Não haverá mais vozes caladas?
Corpos infantes podem ser brincantes apenas?
O trigo, o fruto, a terra... refestelam aqueles
a quem a eles se entregam?
Olhares deixaram
de matar pessoas
por serem
apenas quem são?
A fita desenrola canções idas de um eu que dorme.
Uma lágrima insiste em expor-me
não por me transportar saudoso desses tempos idos,
mas por me ver inerte em tempos de agora.
Onde desisti de mim mesmo?
Certamente ao desistir de outros rostos
que olham olhares combalidos.
Ah, e essa canção infinda
transpira em mim algo que pensei morrido
Ah, essa bíblica canção que ressuscita...
A mim
“como um niño frente a Dios”.