terça-feira, 18 de janeiro de 2011

DESERTO

Brigado estou com as palavras.
Não mais acasalo versos
com o universo que habita
o cálice do licor da noite
enquanto as rosas esperam
n'alguma poesia
o ápice do vigor da aurora.

Estou brigado com as palavras.
O poeta morreu.
E estes versos ardem em mim
como um gelo imenso
a me pesar os ombros.
O mundo é o mundo
cansado, entristecido,
mesclado a risos retorcidos
e insanos risos verdadeiros
regado a prantos
que de canto em canto rasgaram o nevoeiro.

Estou brigado com as palavras.
A frigidez me alcança.
Visito meu próprio enterro.
Vou pra casa
taciturno
sem sementes de recomeço.
O olhar embotado de visões
sem saber cantá-las
em metáforas que rasguem a densa noite.

O Deus das horas do silêncio que habita as palavras
mostra-me o mundo
ferido e emudecido mundo
um jardim de lírios matizados
da seiva rubra das aves abatidas.
Mas ainda restam os níveos lírios
e aves que persistem em voar.
Revisito versos
antigos
outrora amigos,
cinzenta lembrança,
um duelo entre a vida e os desejos.
Um menino brinca dentro em mim
e um outono sopra nas quimeras.
- Pai, que não estás aqui,
  grávido estou do teu Espírito,
  ávido estou por este parto.

Brasília, 1989.

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