terça-feira, 18 de janeiro de 2011

REPARTIÇÃO

Preso entre papéis
deixei correr a minha mocidade.
Sou tão carimbos, menos coração.
Quero o bosque.

No espelho diário
o homem perdido nos seios
da sensualíssima aurora
corre
atrás das horas
- Bate-ponto, bate-ponto, bate-ponto...
Quero o reencontro.

O menino brincava
versos frágeis e sorria futilidades.
As tardes se debruçavam
no futuro recriado,
agora esvaecido.

Preso entre papéis
ejaculo teias.
Perdi o canto
que me embevecia e me anunciava
a noite a ser vencida.
Quero o menino.

O bosque de duendes
e fantasmas dançantes
a espreitar minha última esperança.
O menino coberto do frio e do medo,
sem segredos, sem papéis
que representasse.
Agora aqui
preso entre papéis
quem sabe espero
quem sabe faça
que um sonho viva
e quebre espelhos
que a vida ergue dia a dia.

Brasília, 1990.




Um comentário:

  1. Foi inevitável: me lembrei do Manuel Bandeira e sua poética,

    "Estou farto do lirismo comedido
    Do lirismo bem comportado
    Do lirismo funcionário público com livro de ponto expediente
    protocolo e manifestações de apreço ao Sr. Diretor.
    Estou farto do lirismo que pára e vai averiguar no dicionário o
    cunho vernáculo de um vocábulo.
    Abaixo os puristas

    Todas as palavras sobretudo os barbarismos universais
    Todas as construções sobretudo as sintaxes de excepção
    Todos os ritmos sobretudo os inumeráveis

    Estou farto do lirismo namorador
    Político
    Raquítico
    Sifilítico
    De todo lirismo que capitula ao que quer que seja fora
    de si mesmo
    De resto não é lirismo
    Será contabilidade tabela de co-senos secretário
    do amante exemplar com cem modelos de cartas
    e as diferentes maneiras de agradar às mulheres, etc.

    Quero antes o lirismo dos loucos
    O lirismo dos bêbados
    O lirismo difícil e pungente dos bêbedos
    O lirismo dos clowns de Shakespeare

    - Não quero mais saber do lirismo que não é libertação."

    Beijos.

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