terça-feira, 18 de janeiro de 2011

POEMA DE DOIS MUNDOS

Um silêncio de ausências.
A cidade funcionava
máquina fria
mal percebia
as cores matinais.
E falando assim pareço
um menestrel de estrelas e de sóis
a sós consigo mesmo
longe da cidade empedernida.
Mas a cidade me comove
e me fascina.

Um homem desce do ônibus e prossegue sem tempo o seu destino,
meninos dançam
a música urbana,
homens discutem
e não escutam o silêncio das ausências,
suas palavras duras
gestos de loucura com disfarces de eloquencia.
Silêncio de ausências
da vida ausente
cristalizada morte
súbita e misteriosa morte
proibida em saraus
mas tão presente nos cálices servidos
sorvidos no oco da existência.
Fantasmas a desfilar mistérios
assombrados com a própria vida.

Penso contadores de estórias.
Recriam mundos mágicos
dentro dos contos da mais vil realidade.
A História me fascina
mesmo em meio às carnificinas nossas de cada dia.
Ensina o avesso,
conclama à vida ao mostrar a morte
de sorte que se deve olhar
aves do céu e lírios no campo
mesmo que haja aves abatidas
e campos manchados de rubro.
Ensina canções de esperança
cantigas livres...
mesmo que haja os versos rasgados
e poetas banidos.

Penso em contar estórias
que expulsem os ratos da cidade sequiosa
ao som das palavras que recontam
reinos encantados
e no entanto tão possíveis.

E o silêncio das ausências
anuncia que os desejos sobrevivem.
Um sêmen do futuro
no presente me engravida.



Brasília, 1991.

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